quinta-feira, 26 de março de 2009

Sobre a relação com as palavras

Entre as revolucionárias e feministas, é muito difícil lidar com ela quando estamos na batalha contra o machismo no cotidiano: a escolha das palavras.
Parece óbvio quando dizemos que não vamos permitir opressões "vocabulares". Mas detectá-la e-xa-ta-men-te não é uma tarefa fácil.
Outro dia, eu e meu companheiro tivemos uma briga. Muito mais light que outras anteriores, mas abriu um precedente para um debate interessante (não que nós dois tivéssemos cabeça para discutir sobre isto naquele instante, estávamos mais preocupados em -- que paradoxo -- ter razão).
Pela primeira vez, em um ano e meio, ele soltou um "palavrão". Aqueles, dos mais clássicos. Não que sejamos um defensor ferrenho da polidez vocabular em todos os momentos, mas um palavrão, num contexto de conflito, torna-se uma lâmina bem afiada e dolorida.
E, como parece óbvio, eu revidei, em tom mais alto e exigi "respeito". Eu não sou do tipo que falo palavrões em briga séria (falo bastante em ocasiões mais descontraídas), mas sou capaz de dizer certas coisas que penso, que são muito piores do que palavrão. E, pior, muitas vezes, sai sem querer.
É exatamente neste ponto que gostaria de tocar. Ser contra o palavrão em si, se não contextualizarmos, podemos cair numa moral burguesa de defesa dos "princípios do cidadão de bem que sabe falar direito". E não é este o ponto. Porém, num contexto de relacionamento entre homem e mulher, na qual predomina uma relação machista, abolir esta prática é praticamente uma questão de sobrevivência da mulher, enquanto ser forte e independente.
Este debate parece óbvio, mas não é. Vamos avançar. Como podemos combater "opressões vocabulares" que não são expressas em palavras "feias"? É muito mais difícil. Pois a tendência é sermos chamadas de neuróticas (entre a massa), ou subjetivadas (entre o movimento).
Fomos educadas a não responder grosseiramente, a sermos "meigas", "doces" e submissas. Por outro lado, quando nos emancipamos e tomamos consciência de nossa condição oprimida, tendemos a responder a tudo pelo viés do combate. Algumas até exageram e descambam para o sexismo. E, infelizmente, a "terceira via" ou, em outras palavras, o caminho do centrismo não leva ninguém a lugar algum.
Então como sair deste impasse? Em primeiro lugar, é preciso ter consciência de que não vamos vencer o machismo no plano individual. Isto significa que, sim, por mais revolucionário que você e/ou teu companheiro sejam, a relação sempre terá nuances machistas. Isto significa as mulheres se conformarem, baixarem a guarda e colocar a barriga no fogão e na pia? Definitivamente, não. Pelo contrário, significa fortalecer a luta coletiva pelos direitos, pela moral revolucionária, pela construção do partido e pelo seu fortalecimento como mulher. Significa entender, a todo momento, que somos vencedoras dentro de um sistema cujo destino feminino é exatamente o oposto. É não deixarmos de ser mulher, mãe (para aquelas que desejarem), trabalhadora e feminina só para acharmos que estamos vencendo o machismo (aliás, se para vencer o machismo, bastasse parecer com homem, seria muuuito mais fácil).
Apesar da compreensão dos limites do combate ao machismo no plano individual, não podemos nos calar dentro de casa para gritar nas ruas. No entanto, a solução não é o equivalente contrário: gritar dentro de casa. É preciso entender que o problema não é o seu companheiro em si, de carne e osso, mas de toda a sociedade e da cultura à qual ele e todos foram condicionados; só não vale também encará-lo como vítima: no limite, ele é o opressor, por mais que você o ame. Para isto, o diálogo e a compreensão política são fundamentais.
Em uma briga, os debates são calorosos, a cabeça esquenta, a tendência é perder o controle. No entanto, assim como em um debate político, desqualificar e caluniar o debatedor -- por mais pelego, entreguista e conservador que ele seja -- são "crimes" imperdoáveis. Demonstra descontrole político da situação.
Quando alguém desqualifica um debate, o revolucionário sempre tenta reorganizar os elementos e elevar o nível do debate. Se não, não vale a pena continuar. Em relação à calúnia, a mesma coisa. Quando a mulher revolucionária diz que seu companheiro está sendo machista, ela demonstra, aponta e argumenta com elementos concretos as raízes da opressão. Ela não se deixa levar por questões de princípios "feministas-pequeno-burguesas", tais como: se ele lava a louça, minha relação deixa de ser machista; ou sexistas, tais como: não divido minha casa com homem.
E, principalmente, a mulher revolucionária exige que seja entendida como "femme politicus" e o debate se dê neste nível; e não que o seu companheiro encare-a como uma cachorra-louca desenfreada ou uma maluca que vê coisas onde não tem.
Em relação à calúnia, o princípio é o mesmo. Como havia dito, utilizar-se de palavrões não sustenta o debate, não supera contradições, muito menos, eleva espiritualmente as duas partes.
Já para as palavras que não são exatamente palavrões, mas são tão caluniosas como tais. Trata-se da combinação destes dois fatores de elevação do nível do debate (combate à desqualificação e calúnia). É necessário demonstrar para o seu companheiro (ou o opressor) onde a opressão está. Não é uma tarefa fácil. Opressão a gente sente, nem sempre sabemos de onde o tiro vem. Mas elevar esta busca pelas raízes da opressão ou a "origem do tiro" para o plano político é o primeiro passo para o combate real e sustentável ao machismo.

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