quarta-feira, 29 de abril de 2009

"Xoxota, essa desconhecida"

Apesar do título chulo, o vídeo do Tas no UOL sobre a vagina desfaz alguns mitos. A entrevista da fisioterapeuta esclarece e evidencia pontos sobre as raízes do problema. Pois mesmo que não se diga claramente "opressão": dizer vergonha, pudor, "não ser educada", "não estar acostumada" etc são elementos da mesma raíz opressora.

É claro que possui elementos machistas, mas dentro de uma sociedade na qual o órgão feminino é um tabu, este vídeo é progressivo. Afinal, infelizmente, "buceta", "xoxota", "casa do capeta", "borboletinha", "precheca", etc são denominações muito utilizadas. Excluí-las do debate é não encarar a realidade. Se a enxergamos, podemos combatê-la.



Bjos

Uma nova mulher

Que venha essa nova mulher de dentro de mim,
Com olhos felinos felizes e mãos de cetim
E venha sem medo das sombras, que rondam o meu coração,
E ponha nos sonhos dos homens
A sede voraz, da paixão

Que venha de dentro de mim, ou de onde vier,
Com toda malícia e segredos que eu não souber
Que tenha o cio das onças e lute com todas as forças,
Conquiste o direito de ser uma nova mulher

Livre, livre, livre para o amor....quero ser assim, quero ser assim
Senhora das minhas vontades
E dona de mim livre, livre, livre para o amor, quero ser assim,
Quero ser assim, senhora das
Minha vontades e dona de mim....

Que venha de dentro de mim, ou de onde vier,
Com toda malícia e segredos que eu não souber
Que tenha o cio das corças e lute com todas as forças,
Conquiste o direito de ser uma nova mulher

Livre, livre, livre para o amor quero ser assim, quero ser assim,
Senhora das minhas vontades
E dona de mim
livre, livre, livre para o amor, quero ser assim,
Quero ser assim, senhora das
Minhas vontades e dona de mim....

Que venha essa nova mulher de dentro de mim
Que venha de dentro de mim ou de onde vier
Que venha essa nova mulher de dentro de mim

(Simone)

sexta-feira, 3 de abril de 2009

Desabafo de uma professora

A educação é uma daquelas coisas que todos acreditam, ou acreditaram em algum momento da vida, que poderia transformar o mundo porque seria ela capaz de transformar os indivíduos. Ledo engano.
Infelizmente, o capitalismo transformou a educação, e todo os sistemas educacionais, em mercadoria. Essa que expressa a relação dos homens com seu mundo material. Isso fez com que a escola perdesse o sentido para a maioria dos sujeitos que vivem dela e nela. Sejam os alunos, os professores e os os trabalhadores da educação como um todo.
Nas escolas particulares, a educação está concebida como uma forma de penetrar no mundo quase inacessível das grandes escolas públicas universitárias. Ou seja, nada mais funcional!
Nas escolas públicas... bem... no limite é uma forma da juventude não perder definitivamente a noção da exitência de um mundo que existe independente da nossa vontade. E lá vão os professores: aqueles que já cansaram não param de culpar os alunos. E os alunos que já não aguentam mais o blábláblá anacrônico dos professores os culpam também. Outros professores bem intencionados, ainda esperançosos e que não abandonaram o barco, buscam através dos imensuráveis projetos uma forma de pescar algum peixe ainda sobrevivente em meio a "tanta poluição". E os novos, como eu. Nossa!!!! Os novos são impressionantes! São aqueles que chegam e ainda conseguem falar a mesma língua, sentir os mesmos cheiros e odiar o mesmo sistema que os alunos. Alunos perdidos pelos corredores alvoroçados pela hora que os portões se abrem. Os novos, como eu, guardam uma vontade louca de fazer acontecer e procuram desesperadamente seus parceiros. Onde estarão os que ainda podem fazer surgir uma luz?
Olho para essa juventude e tenho vontade de lhes dizer que realmente essa escola não lhes serve. Que essa escola há muito tem servido aos donos do capital. Tem servido para nos tornar gado. Porquegado a gente ferra engorda e marca... Mas com gente é diferente....
Tenho vontade de me unir a eles quando jogam as bombas no pátio do colégio, quando bebem na sala de aula e quando gritam. Talvez ainda não tenhamos conseguido percebê-los. E nem eles mesmo perceberam que se se levantassem contra toda essa forma de opressão, ao amanhcer não existiria um só burguês vivo! Uma cegueira toma conta dos catedráticos. Uma cegueira que nos torna cúmplices desse aparelho ideológico e de reprodução do capital, que é a escola.
Procuro desesperadamente uma forma de dizer aos meus mais de 500 alunos que estou ao lado deles!Que se encontrem e quando esse dia chegar, que não desistam!!

quinta-feira, 2 de abril de 2009

O amor como obra de arte

A arte deve ser livre. Livre de imposições, de funções. Livre para a revolução, como disseram Trotsky e Breton.
Num primeiro momento podemos imaginar que tudo pode ser arte, ou que sua liberdade está condicionada em última instância a servir à Revolução. Mas é da relação dialética que a arte pode exprimir do mundo capitalista é que devemos desejá-la livre, lutar por sua liberdade desde agora e em conjunto com outras lutas políticas e econômicas que travamos cotidianamente. Mas, é claro, que ela será uma grande expressão das angústias humanas: nossa subjetividade produzida por relações concretas, por leis da existência, pela opressão e exploração de um sistema que se reproduz pela morte de uma classe. Essa é a matéria-prima, a fonte na qual bebe a arte revolucionária e independente. E são poesias, esculturas, gravuras, melodias, sons e objetos, dramas, romances, comédias e farsas. Trovas, prosas, poemas...são arte!
Assim também é com o amor. Uma relação social, como as demais, e que expressa a síntese de tudo o que vivemos cotidianamente como seres objetivos. Amamos como vivemos. Acabamos reproduzindo no amor nossas angústias humanas: nossa subjetividade produzida por relações concretas, por leis da existência, pela opressão e exploração de um sistema que se reproduz pela morte de uma classe. E assim como na arte, o amor também precisa ser livre. Porque a arte livre não se ajoelha diante da sua fonte, da sua realidade concreta. Ela a expõe, mas não capitula, ela procura superar essa angústia ao transformá-la em obra. O concreto-subjetivo-concreto, numa espiral que se forma e transforma num movimento contínuo.
Assim também é com o amor livre. Expressão máxima não apenas das angústias humanas, mas das relações que os seres humanos constroem sobre uma base material concreta. E assim sendo, está constantemente sob pressão para ceder, curvar-se de joelhos ante os algozes do capital e de suas ideologias e vícios. O amor romântico, construído e vendido pela burguesia, transformou o grau maior do amor em matrimônio (precedidos pelas nomenclaturas positivas namorados, noivos – enquanto criava, ao mesmo tempo, as nomenclaturas negativas: amantes, amasiados, concubina, entre outros). Ora vejam; PARA A BURGUESIA o amor tem grau e pode até ser registrado em cartório para garantir sua legitimidade!! E assim como faz com todas as relações, a burguesia escravizou o amor e o dominou sob sua ditadura. Por isso, para que todas as relações sejam livres, é preciso desejar e defender o amor livre. O amor dialético do concreto-subjetivo-concreto, o qual não se curva e que se propõe a estar lado a lado das outras manifestações políticas da luta permanente por outro mundo. Porque o amor – assim como a arte – é pensado, é construído por cada um dos seres envolvidos nesse sentimento. Sua forma, seus princípios, suas táticas são parte do amor como se fosse obra de arte. Os amantes livres são ao mesmo tempo veículo e artista (da arte e, nesse caso, veículo do amor – lugar onde se concretiza a arte e o amor). Seus corpos, seus olhares, seus gestos, os livros que carregam sob o braço, os abraços às vezes loucos e outros comedidos e outros tantos apaixonados e os sonhos sonhados... Corpos arrasados pelo trabalho alienado e mortificante, mentes destruídas pela insistência da classe inimiga de querer nos fazer acreditar na “nossa” incapacidade... mentes sedentas por respostas, por compreender o que parece incompreensível, mentes que procuram a saída...Corpos famintos de desejo, de prazer, de toque, de força, de gritos e gemidos. Mentes e corpos sedentos de companheirismo, de solidariedade e de amor. Talvez não saibam, mas esses amantes estão em busca de amor livre! Amor, como disse Moreno: a mais sublime de todas as relações que podemos construir. Um amor entre camaradas!

quinta-feira, 26 de março de 2009

Sobre a relação com as palavras

Entre as revolucionárias e feministas, é muito difícil lidar com ela quando estamos na batalha contra o machismo no cotidiano: a escolha das palavras.
Parece óbvio quando dizemos que não vamos permitir opressões "vocabulares". Mas detectá-la e-xa-ta-men-te não é uma tarefa fácil.
Outro dia, eu e meu companheiro tivemos uma briga. Muito mais light que outras anteriores, mas abriu um precedente para um debate interessante (não que nós dois tivéssemos cabeça para discutir sobre isto naquele instante, estávamos mais preocupados em -- que paradoxo -- ter razão).
Pela primeira vez, em um ano e meio, ele soltou um "palavrão". Aqueles, dos mais clássicos. Não que sejamos um defensor ferrenho da polidez vocabular em todos os momentos, mas um palavrão, num contexto de conflito, torna-se uma lâmina bem afiada e dolorida.
E, como parece óbvio, eu revidei, em tom mais alto e exigi "respeito". Eu não sou do tipo que falo palavrões em briga séria (falo bastante em ocasiões mais descontraídas), mas sou capaz de dizer certas coisas que penso, que são muito piores do que palavrão. E, pior, muitas vezes, sai sem querer.
É exatamente neste ponto que gostaria de tocar. Ser contra o palavrão em si, se não contextualizarmos, podemos cair numa moral burguesa de defesa dos "princípios do cidadão de bem que sabe falar direito". E não é este o ponto. Porém, num contexto de relacionamento entre homem e mulher, na qual predomina uma relação machista, abolir esta prática é praticamente uma questão de sobrevivência da mulher, enquanto ser forte e independente.
Este debate parece óbvio, mas não é. Vamos avançar. Como podemos combater "opressões vocabulares" que não são expressas em palavras "feias"? É muito mais difícil. Pois a tendência é sermos chamadas de neuróticas (entre a massa), ou subjetivadas (entre o movimento).
Fomos educadas a não responder grosseiramente, a sermos "meigas", "doces" e submissas. Por outro lado, quando nos emancipamos e tomamos consciência de nossa condição oprimida, tendemos a responder a tudo pelo viés do combate. Algumas até exageram e descambam para o sexismo. E, infelizmente, a "terceira via" ou, em outras palavras, o caminho do centrismo não leva ninguém a lugar algum.
Então como sair deste impasse? Em primeiro lugar, é preciso ter consciência de que não vamos vencer o machismo no plano individual. Isto significa que, sim, por mais revolucionário que você e/ou teu companheiro sejam, a relação sempre terá nuances machistas. Isto significa as mulheres se conformarem, baixarem a guarda e colocar a barriga no fogão e na pia? Definitivamente, não. Pelo contrário, significa fortalecer a luta coletiva pelos direitos, pela moral revolucionária, pela construção do partido e pelo seu fortalecimento como mulher. Significa entender, a todo momento, que somos vencedoras dentro de um sistema cujo destino feminino é exatamente o oposto. É não deixarmos de ser mulher, mãe (para aquelas que desejarem), trabalhadora e feminina só para acharmos que estamos vencendo o machismo (aliás, se para vencer o machismo, bastasse parecer com homem, seria muuuito mais fácil).
Apesar da compreensão dos limites do combate ao machismo no plano individual, não podemos nos calar dentro de casa para gritar nas ruas. No entanto, a solução não é o equivalente contrário: gritar dentro de casa. É preciso entender que o problema não é o seu companheiro em si, de carne e osso, mas de toda a sociedade e da cultura à qual ele e todos foram condicionados; só não vale também encará-lo como vítima: no limite, ele é o opressor, por mais que você o ame. Para isto, o diálogo e a compreensão política são fundamentais.
Em uma briga, os debates são calorosos, a cabeça esquenta, a tendência é perder o controle. No entanto, assim como em um debate político, desqualificar e caluniar o debatedor -- por mais pelego, entreguista e conservador que ele seja -- são "crimes" imperdoáveis. Demonstra descontrole político da situação.
Quando alguém desqualifica um debate, o revolucionário sempre tenta reorganizar os elementos e elevar o nível do debate. Se não, não vale a pena continuar. Em relação à calúnia, a mesma coisa. Quando a mulher revolucionária diz que seu companheiro está sendo machista, ela demonstra, aponta e argumenta com elementos concretos as raízes da opressão. Ela não se deixa levar por questões de princípios "feministas-pequeno-burguesas", tais como: se ele lava a louça, minha relação deixa de ser machista; ou sexistas, tais como: não divido minha casa com homem.
E, principalmente, a mulher revolucionária exige que seja entendida como "femme politicus" e o debate se dê neste nível; e não que o seu companheiro encare-a como uma cachorra-louca desenfreada ou uma maluca que vê coisas onde não tem.
Em relação à calúnia, o princípio é o mesmo. Como havia dito, utilizar-se de palavrões não sustenta o debate, não supera contradições, muito menos, eleva espiritualmente as duas partes.
Já para as palavras que não são exatamente palavrões, mas são tão caluniosas como tais. Trata-se da combinação destes dois fatores de elevação do nível do debate (combate à desqualificação e calúnia). É necessário demonstrar para o seu companheiro (ou o opressor) onde a opressão está. Não é uma tarefa fácil. Opressão a gente sente, nem sempre sabemos de onde o tiro vem. Mas elevar esta busca pelas raízes da opressão ou a "origem do tiro" para o plano político é o primeiro passo para o combate real e sustentável ao machismo.

domingo, 8 de março de 2009

Saga de uma paulista na capital mineira

Ainda teremos muitos posts sobre isto.
Para quem não sabe, casei e vim morar em Belo Horizonte. Para alguns é "Roça Grande", "Capital caipira" e outros apelidos jocosos, prefiro ficar com as comparações.

Pela primeira vez, peguei o carro e me aventurei pela cidade. Até então, andei de ônibus. Sabe como é: Google maps, BHTrans (sistema de transporte público de BH), 5 reais no bolso e não tem erro. Tal como andar em Sampa. O máximo que pode acontecer é não parar no ponto, mas é quase impossível com a hospitalidade do povo mineiro.

De qualquer forma, lá fui eu. Aventurei-me a ir até Contagem, com um amigo, é claro. Peguei a avenida de maior fluxo da cidade, Amazonas, perto de casa por sinal.
É incrível, senti-me no mar de rosas da gentileza urbana do trânsito caótico. Ninguém tem pressa (isto é bom e isto é ruim, depois eu conto).
Você dá seta e 3 ou 4 carros depois, alguém espera você entrar. Ficou desesperada pois se engarrafou entre dois ônibus, na faixa de ônibus (sim, você estava passando lá por acaso)? Não há problema, eles "faroleiam" e você sai tranquila.
Ah, e, pela primeira vez NA VIDA, eu vi isto: ELES-NÃO-ENCHEM-A-SUA-ORELHA-COM-BUZINA-QUANDO-FECHA-O-CRUZAMENTO. (nem te chamam de morfética, lazarenta pra baixo)
Sei lá se é por compreensão (pq, é óbvio, vc não fechou o cruzamento porque quis, você achou que ia dar tempo, o trânsito estava infernal e pá: lá está você em cima daquelas vexatórias faixas amarelas riscadas), por preguiça ou porque eles não têm pressa mesmo. Mas eu nunca tinha visto isto.
De qualquer forma, desde que estou aqui -- peguei o carro para uns passeios mais curtos também -- nunca ouvi um desaforo no trânsito.
Senti até vergonha de São Paulo. O trânsito é uma troca de insultos. Até me lembro da principal recomendação do meu ex-namorado quando eu aprendia a dirigir: nunca feche um cruzamento! É o seu fim como motorista. Em Minas, o fim deve ser um 'cadinho mais pra frente.

Para quem irá se aventurar por BH: aperfeiçoe-se bastante no pé-de-pato ou o controle-de-embreagem-em-morros-acentuados. A parada aqui é Rock'n Roll.

Mas não pensem que tudo é assim, um mar de rosas. Se uma paulista sofre, um paulistano tem ataques histéricos aqui. Até você entrar no ritmo, é óbvio. Mas já passei por várias situações particularmente irritantes.

Na pizzaria:
30 minutos até vir o garçom. 45/50 até vir a pizza. 20 para chegar a conta. Mais 20 para chegar o troco. É fato: em SP isto é i-nad-mis-sível. Na segunda espera, qualquer paulista(no) já estava dando piti. Ao passo que os mineiros que me acompanhavam achavam aquilo nor-mal.
Em suma, recomendo pagar no cartão ou o valor exato. Depois de tanta espera, os 20 minutos do troco tornam-se insuportáveis.

Na lotérica (pagar conta):
Fila. Cinco pessoas à frente. Para andar duas pessoas: 5 minutos.
Para andar as últimas três pessoas: meia-hora.
Por quê? Porque elas conheciam a mulher do caixa, o marido da mulher do caixa, a filha da mulher do caixa que tinha câncer, o cunhado do sogro da mulher do caixa e mais uma pá de parentes. Fizeram questão de perguntar como iam todos, um de cada vez, e o que estavam fazendo da vida.
Em SP, alguém já tinha pedido a "gentileza" de andar logo com esta fila.

Na loja de roupas C&A:
Foi o ápice.
Estressei com a falta de atendimento. Uma mulher apenas para atender uma fila gigantesca. E nenhum gerente cretino para remanejar pessoas. Eu não ia descontar na mulher do caixa, não é? Uma trabalhadora que não ganha nada além do trabalho fdp que ela tem. Mas o gerente, não. Se a loja tem lucro, o gerente ganha. Então pau nele!
Chamei o responsável, arrastei o sotaque mineiro, o máximo que podia, e desci a lenha.
Por que no mineirês? Simples: porque já ouvi várias vezes: "xi, liga não, esta aí é paulista estressada". É mole?

No ônibus
Neste caso, eu faço minha auto-crítica: fui de uma grosseria sem fim. Só descobri depois. Mas é que SP embrutece as pessoas tão rapidamente que você faz certas coisas e considera-as normal.
Estava no ônibus, um calor infernal, tinha saído da aula de flamenco, um sujeito senta-se ao meu lado e puxa conversa. Ora vejam, eu não estava afim de conversar. E, simplesmente, respondia: "unhum", "ah", "eh". A mulher ao meu lado devorou-me com os olhos e eu não entendia.
Até que o senhor perguntou: "Você sabe onde eu desço para ir à rua X?".
Uai, eu não sabia. Não conhecia BH radicalmente, eu só sabia pegar o bus número X e descer no ponto Y. Mais nada.
A mulher que me devorava com os olhos puxou conversa com ele, informou onde era, eles começaram a trocar a maior idéia e, na hora de descer, o senhor fez questão de dar "tchau" só para ela e me deixou no vácuo. Sim, eu arrisquei dizer tchau também e falei com o além.
A mulher voltou-me a devorar praticamente dizendo: "aprendeu como se faz em Minas?".
Saí meio transtornada e encabulada.

sábado, 7 de março de 2009

Feminismo no cotidiano

Cinco pessoas no carro. Quatro homens e uma mulher.

O motorista (ao passageirO da frente) -- Se importa se eu fumar?

Passageiro da frente -- Não, não. Fica tranquilo.

O motorista (aos dois passageirOs atrás) -- E vocês dois?

Os passageirOs -- Não, não. Vai em frente.

O motorista acende o cigarro.

30 segundos depois.

Mulher cutuca o motorista à frente -- Eu também não me importo, ouviu?

sexta-feira, 27 de fevereiro de 2009

Constatações e a vontade de tirar a fruta verde

Ser feminista neste mundo é quase um paradoxo.
Para quem não acha, é estereótipo.
Estou cansada de combater este câncer dos rótulos. Não há o que diga, não há o que faça, lá vem o meio milhão de senso comum.

Ser mulher neste mundo é quase um paradigma.
Para quem não acha, é feminismo.
Estou forte e animada para combater este câncer dos rótulos. Por mais que se diga, por mais que se oprima, lá vem o meio milhão que querem transformar esta realidade.

terça-feira, 17 de fevereiro de 2009

A implosão de "As eruditas"

A crítica ao pedantismo é indicustivelmente qualificada.
Uma casa tão bem construída que técnicos diriam ser à prova de terremotos, vendavais, furacões e maremotos sem passar por um arrãozinho na maçaneta. Um terreno seguro, digno das obras de Molière, e, por ser uma delas, faz jus à sua fama.
Diálogos bem construídos, ironia articulada, tradução de Millôr impecável, ou seja, passaria incólume de falhas na construção por qualquer meia dúzia de intelectuais com algum neurônio funcionando.
No entanto, sob uma perspectiva feminista -- que não é mais nem menos do que qualquer outro campo de crítica -- a obra apresenta rachaduras imperdoáveis.
A criação do estereótipo das eruditas pedantes se, por um lado, traça um cenário risível das bizarrices acadêmicas; por outro, reforça a imagem do feminino na sociedade: incapacidade e/ou inconsistência para elevação do espírito.

Trata-se de três mulheres deslumbradas com a filosofia: mãe (Filomena), filha (Armanda) e cunhada (Belisa). As três lideradas pelo homem detentor da sabedoria (Tremembó) que, mais pra frente, será desmascarado como charlatão. O livro deixa claro e enfatiza a incapacidade das mulheres em notar que Tremembó não passa de um picareta verborrágico.
O enredo gira em torno do impasse do casamento de Henriqueta (filha "não-filósofa" de Filomena e também irmã de Armanda) apaixonada por Cristóvão, porém prometida ao sabichão Tremembó pela mãe.
A abertura do livro é sintomática: Armanda questiona a irmã, Henriqueta, sobre a razão e a institucionalidade do casamento. O que parece ser progressivo num primeiro momento, logo depois descamba. Armanda, ao longo da história, demonstra que ainda nutre algo por Cristóvão, gosta de esnobá-lo e fantasia que ele ainda a corteja.
Todos os discursos pró elevação da consciência feminina, sob qualquer ângulo, começam a ser desmontados e, consequentemente, desqualificados. Tanto de Filomena, quanto de Armanda e Belisa.
Como já disse, o combate ao pedantismo é ótimo. No entanto, o preço é caro. A reafirmação da ideologia do lugar da mulher na sociedade que, primeiramente, parece fazer parte da sátira; no fim, acaba sendo a moral da história.
Os desfechos começam a se dar quando os homens articulam uma farsa para desmascarar Tremembó e mostrar às filósofas a verdade. Ou seja, tanto para um lado quanto para o outro, as mulheres necessitaram efetivamente da presença masculina para mostrar-lhes o caminho da verdade. Não há independência de espírito em nenhuma delas. Pelo contrário: é como se, sem eles, elas se pusessem a bater cabeça incessantemente.
E, por fim, Henriqueta, aquela que almeja apenas um casamento, um filho, um marido e uma vida água-de-batata, tem um final feliz.
Crisaldo, que durante todo o livro foi "dominado" pelas posições de Filomena, acaba dando o veredito final.
Este é o dono desta fala:
"(A Belisa) Falo mais a você, minha adorada irmãzinha. Fica toda irritada com o menor solecismo sem reparar que o seu comportamento é todo um barbarismo.
Essa quantidade de livros em que vive mergulhada é uma montanha de lixo que não vale nada.
Isto é: com exceção daquele Plutarco com capa de lona que eu uso pra calçar o banco da poltrona.
Você devia queimar toda essa porcaria, toda essa falsidade
e deixar a ciência com os sábios de verdade.
Quebrar ou botar fora a luneta imensa que está lá no sótão e as outras bugigangas com que vê não sei o quê.
Esquecer um pouco o que se faz na lua
e preocupar-se mais com a arrumação da casa, obrigação sua.
Não é nada direito que uma mulher estude mil coisas irreais
e descuide, na prática, das coisas mais banais.
Orientar os filhos no caminho da vida, dirigir e comandar a criadagem, manter a casa limpa e arejada, gastar o dinheiro com economia, taí uma filosofia.
Nossos pais, nesse ponto, sabiam o que diziam quando afirmavam que uma mulher já não é nada tola se distingue uma réstia de alhos de uma de cebolas, um par de calças de um par de ceroulas.
As mulheres antigas não liam,
mas viviam,
consideravam cuidar do lar um ato de cultura
e, em vez de aprender a besteira da literatura,
que a imaginação só entulha,
manejavam o dedal, a linha e a agulha[...]"

As três mulheres que poderiam ser progressivas, em alguma instância (à exceção do esnobismo acadêmico), são desmoralizadas. E, Martina, a cozinheira, dá a moral da história:

"Se eu tinha um marido, eu acho
que eu queria ele bem macho.
Alguém prefere mole o marido?
Em qualquer sentido?
E se eu agisse mal
eu acho que ele devia me sentar o pau.
O meu marido.
Em qualquer sentido."

O resultado dos ingredientes subjetivos encrustrados nesta obra que, obviamente, fazem parte do contexto mais geral de construção do coletivo, as mulheres sentem na carne, nas vísceras e no poço sem fundo da alma.

sábado, 14 de fevereiro de 2009

A Casa Tombou Loucamente I

Não é possível!
A casa realmente virou de ponta cabeça e ninguém, absolutamente ninguém, viu. Ou então todos grudaram o pé no telhado, tiveram sobrecarga de sangue no cérebro e entraram em delírios entusiásticos.
Onde é que está o tão aclamado mérito de "Rubros: Vestido - Bandeira - Batom"? Não, não é um fiasco completo, mas está longe de ser "um estouro da crítica nacional".
Os diálogos são superficiais e estereotipados, as atrizes deixam a desejar e o feminismo subiu no telhado. O gancho para uma discussão "politicamente profunda" se perde entre um contato ou outro com a Diretas Já, uma simpatizante do DA e uma frustrada que, supostamente, teria levado seus ideais às últimas consequências e, bom, o resultado foi catastrófico. Mas, antes de despejar todos os tijolos da casa, vamos avaliá-la ainda de pé.
Para quem não viu, trata-se de duas amigas na casa dos quarenta, que tiveram uma vida adolescente próxima às turbulências políticas dos anos 80 e início dos 90. Tereza está largada em casa, desgrenhada e desiludida com a vida. E Helô, que vem visitá-la todos os dias à noite e aos finais-de-semana, tenta tirar a amiga da amargura.
Até a metade da peça, você fica esperando o tal debate feminista, o tal engajamento político, o tal aprofundamento das questões cotidianas e, quando você acha que vai, não vai. Mas você ainda ri de alguns diálogos e tem esperança de que as contradições apresentadas se aprofundem, tais como em qualquer boa peça. Afinal, quem tem pressa é comercial.
No entanto, meus caros, a partir da metade da peça, a minha -- e a nossa -- desilusão começa a se montar. E ela tem um nome: Pedro Henrique, o filho morto da desiludida. Em um determinado momento, o roteiro dá uma guinada e, de repente, toda a amargura de Tereza gira em torno da morte deste filho.
Da expectativa de uma grande idéia (pois, ora vejam, eu também a-do-rei a sinopse da peça) surge uma saída novelesca. As reflexões perdem-se num emaranhado de tempo entre o fiasco do relacionamento e o fim trágico do filho de 12 anos. E isto definitivamente desmontou todos os tijolinhos criados na primeira metade até o tombamento da casa toda.

Feminismo: estereótipos
É clara a intenção da autora de, ao longo da peça, transparecer um pouco de Helô em Tereza e vice-versa. A construção é boa, mas se até as casas do Sérgio Naya caíram, não é?

Podemos caracterizar, de forma geral, que Helô foi a mulher simpatizante do movimento, não muito engajada (como ela mesma se define), gosta de se arrumar (faz o tipo feminina), era mais recatada sexualmente (não liberava geral), precavida (conseguiu se "dar bem" financeiramente) e utiliza um certo tipo de alienação para, digamos, ser feliz. Ou seja, ela é o estereótipo do meio-termo, da água de batata, do banho-maria como queiram chamar.

Engajamento político não estava relacionado, diretamente, a uma tomada de consciência de classe (aliás você nem sequer ouve falar em classe trabalhadora em momento algum), senão a um movimento de inércia política levada pelo rumo dos acontecimentos veiculados pela mídia na época. Se ela não passa por isto, falar que foi uma consciência feminista então passa longe.
A reafirmação da ideologia "ser feminina" é bem explícita. Não que passar maquiagem seja um problema de princípio, mas fica claro na peça que é um exercício de alienação da sua própria condição. Este fenômeno ligado ao fato de que ela era "recatada sexualmente" e, no fim, acabou fisgando o namorado da amiga reforça a imagem conservadora que a mulher deve adotar para não acabar uma solteirona frustrada. Bom, sem contar a ideologia mais perigosa: mulher só é feliz alienada. É óbvio que as idéias não são claras desta forma, mas basta uma perícia cuidadosa dos destroços do tombamento para detectar estes problemas estruturais.

Quanto à Tereza, os problemas se aprofundam. Por ela ser, em tese, o contraponto em relação à Helô, a sua imagem de fiasco, fracasso, desilusão e fragilidade reflete, indiretamente, qual seria a saída para a mulher que optasse por uma alternativa diferente à vida de Helô, qual seja: o fundo do poço. Num primeiro momento, como já disse, a expectativa é grande. Pois Tereza, apesar de seu estereótipo, critica em pontos certos atuações e comportamentos -- tanto políticos quanto culturais -- do mundo feminino. E mais, ela foi a que optou por ir a fundo na disputa pelo espaço da política e da opinião pública. Em tempo, um espaço dominado pelo mundo masculino. Ela filiou-se, militou, engajou-se, levantou bandeira e comprometeu-se politicamente. Qual foi o resultado? A tragédia da realização materna mascarada pelo drama em torno do filho morto na porta da escola porque ela esqueceu-se de ir buscá-lo. Com o agravante de que ela perdeu a guarda do filho para o pai, o homem. Ou seja: "Veja bem, mulher, este negócio de engajar-se demais na política... isto pode ser uma tragédia".
E, então, a partir desta guinada no roteiro, toda sua frustração deixa de ser uma crítica qualificada senão uma dor pela maternidade mal realizada.

Estas caracterizações não seriam um problema em si, se o movimento fosse dialético e as contradições aprofundadas. No entanto, a peça gira em torno do reforço destas ideologias envolvidas por uma falsa imagem de crises pessoais, de rompimentos e diálogos bruscos que atingem somente a superficialidade acabando por ser uma delas.

Política
É fato que há um certo desentendimento sobre o grau de organização do movimento da classe trabalhadora atualmente. Mas, a princípio, também não seria um problema tão grave. Pois boa parte das pessoas que tramitam naquele universo de amargura pequeno-burguesa também não o sabem.
O problema é a falta de compreensão mais histórica do movimento, qual seu papel naquele período, no que se transformou hoje e quais foram as alternativas (ou não) de quem disputou o espaço político à esquerda na época -- e continua ou não até hoje.
O máximo que chega é uma militância mais ou menos próximas ao PT, uma crítica leve ao governo Lula e uma passadinha pelos argumentos da meia-dúzia que voltaram para casa. Afinal, se Tereza tivesse sido tão engajada mesmo e fosse ganha para o discurso de transformação à moda PT, ela estaria am algum cargo público de baixo escalão de qualquer nível (federal, estadual ou municipal).
Por outro lado, se ela fosse a fundo no seu comprometimento, teria encontrado mais espaço para militar e manter a luta pela revolução social. E isto não se resume a "algumas frentes sociais e o MST".
No entanto, o alvo e o tempo são corretos. Refletir sobre as contradições da atuação do PT, as alternativas de esquerda, os movimentos políticos atuais são sempre boas referências, mas não passa de uma frase ou outra, um diálogo ou outro perdido no drama que desemboca em novela.

Mulher-ao-mar!
A casa tombou, mas o terreno é fértil.
A sensação não é de "inferno, perdi meu dinheiro" e, sim, "puxa vida, uma casa tão bonita, um terreno tão bom, porque será que tombou?". Se perdemos nosso tempo vasculhando os escombros é porque a casa vale a pena. As moradoras sobreviveram. Ainda dá tempo de construir uma nova, no mesmo lugar, talvez com uma estrutura melhor para as mesmas pessoas habitarem.
E lá vou eu de capacete amarelo com uma luz no centro, acenando delicadamente.
Até a próxima.